Hibridização (Amalgamação)

Cientistas criam 132 embriões com uma combinação entre macaco e humano na China

As técnicas de hibridização estão cada vez mais desenvolvidas e preocupam pesquisadores e autoridades

A equipe do cientista espanhol Juan Carlos Izpisua criou 132 embriões com uma mistura de células de macaco e humanas em um laboratório na China, em uma polêmica experiência revelada pelo jornal El País em julho de 2019 e divulgada oficialmente com detalhes nesta quinta-feira. Três desses embriões — simples bolinhas de até 10.000 células — chegaram a crescer durante 19 dias fora do útero, momento em que os pesquisadores interromperam o estudo, financiado parcialmente pela Universidade Católica San Antonio de Murcia. A comunidade científica chama essas estruturas de quimeras, em referência aos monstros com cabeça de leão, corpo de cabra e cauda de dragão da mitologia grega.

A revista especializada Cell, que publicou os resultados, ilustrou o anúncio com uma alegoria de A Criação de Adão, afresco de Michelangelo na Capela Sistina em que a mão do deus bíblico dá vida ao primeiro homem da tradição cristã. No novo desenho, uma mão de macaco e uma mão humana parecem insuflar energia a um embrião misto.

Izpisua (Hellín, província de Albacete, 61 anos) enfatiza, no entanto, que seu verdadeiro objetivo é a criação de quimeras de porco e humano, com o objetivo final de gerar órgãos humanos no gado porcino. A Organização Mundial da Saúde estima que são feitos cerca de 130.000 transplantes por ano no planeta, menos de 10% dos necessários. O pesquisador argumenta que “a cada ano dezenas de milhares de pacientes morrem na lista de espera por um órgão”. Esses novos órgãos ajudariam a equacionar o problema.

O grupo de Izpisua — do Instituto Salk, em La Jolla (Estados Unidos) — já tinha anunciado em 2017 a criação de quimeras rudimentares de porco e humano, nas quais havia apenas uma célula humana para cada 100.000 suínas. Para entender esse fracasso, atribuído aos 90 milhões de anos de evolução [segundo a concepção evolucionista] que separam esses animais e as pessoas, o pesquisador espanhol decidiu tentar com duas espécies muito mais próximas: os macacos e os humanos.

Os pesquisadores utilizaram óvulos de uma dúzia de fêmeas de macaco caranguejo (um tipo de macaco), fecundaram-nos com espermatozoides da mesma espécie e, depois de seis dias de cultivo em laboratório, obtiveram 132 minúsculos embriões, cada um contendo 110 células animais. A equipe adicionou 25 células humanas a essas estruturas, previamente reprogramadas com um coquetel químico para poderem se transformar em qualquer tipo de célula: pele, músculo, fígado, coração. O resultado, 19 dias depois da fecundação, é uma bolinha mista de 10.000 células, com uma porcentagem humana de no máximo 7%. A experiência foi realizada no Laboratório de Pesquisa Biomédica de Primatas de Yunnan, uma instalação com milhares de macacos na cidade chinesa de Kunming.

E não está isenta de críticas. A bióloga britânica Christine Mummery, presidente da Sociedade Internacional de Pesquisa em Células-Tronco, alerta que as quimeras de humanos e animais “estão ultrapassando os limites éticos e científicos estabelecidos”. Sua organização divulgará novas diretrizes em maio para tentar garantir a integridade desse tipo de pesquisa. Mummery, do ponto de vista pessoal, duvida dos argumentos oferecidos por Izpisua para defender seus ensaios: “O resultado dos experimentos é interessante, mas justificar sua realização no contexto da medicina regenerativa para gerar órgãos humanos em animais para transplantes me parece um objetivo muito distante”, aponta a bióloga, da Universidade de Leiden (Holanda). Em sua opinião, havia alternativas “eticamente mais aceitáveis” do que o uso de embriões de macaco, como a utilização de animais evolutivamente mais distantes dos humanos.

O jurista Federico de Montalvo, presidente do Comitê de Bioética da Espanha, questiona por que os experimentos foram feitos na China: “É porque são cientificamente mais avançados ou é porque são eticamente mais relaxados?” De Montalvo está preocupado com o possível uso duplo desses avanços científicos. “O objetivo atual é digno de aplauso, mas talvez devêssemos pensar também se pode ser usado para outros fins, como criar uma espécie de sujeito intermediário. O risco é abrir um caminho que outras pessoas possam percorrer”, reflete o especialista, que dirige o mais alto órgão consultivo do Governo espanhol no campo da ética científica.

Em meados da década de vinte do século passado, o zoólogo russo Ilia Ivanov, apoiado pelas autoridades soviéticas da época, se propôs a obter híbridos de chimpanzés e humanos por meio de inseminação artificial das fêmeas. Ivanov chegou a viajar para a África Ocidental, onde hoje é a Guiné Conakri, com a intenção de capturar macacos para suas experiências, mas elas não deram nenhum resultado.

A ideia de uma criatura meio humana meio animal era ficção científica há um século e continua sendo, mas em algum momento no futuro talvez deixe de sê-lo. Izpisua insiste: “Não sabemos se embriões de macaco com células humanas seriam biologicamente viáveis, entretanto nosso objetivo na pesquisa de quimeras não é desenvolver novos organismos, mas compreender melhor o desenvolvimento humano para obter tratamentos para as doenças.”

A equipe do biólogo francês Pierre Savatier publicou há três meses uma tentativa de criar embriões quiméricos de macaco e humano em seu laboratório na Universidade de Lyon. Os pesquisadores conseguiram um máximo de 10 células humanas em estruturas embrionárias de macacos com um total de 250 células e sete dias de desenvolvimento, segundo explica o bioquímico espanhol Manuel Serrano, que participou do trabalho. […]

A bióloga polonesa Magdalena Zernicka-Goetz também acredita que o novo trabalho é “uma demonstração impressionante” da capacidade das células humanas de se integrarem em um embrião de macaco, mas alerta para a dificuldade de controlar para onde vão essas sementes humanas, que podem acabar em um órgão não desejado. […]

O biólogo espanhol Alfonso Martínez Arias afirma que “não era necessário abrir esta caixa de Pandora”. Seu grupo na Universidade de Cambridge produziu no ano passado, a partir de células embrionárias cultivadas em laboratório, estruturas semelhantes a um embrião humano de cerca de 20 dias sem a semente que daria origem ao cérebro. O pesquisador acredita que esses pseudoembriões de laboratório são uma alternativa às quimeras de macaco para estudar o desenvolvimento dos órgãos humanos.

Martínez Arias, que ingressou recentemente na Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona, é muito crítico em relação às experiências de Izpisua na China, “de ética duvidosa” e “baixa qualidade técnica”. “Acredito que não demonstrou a viabilidade dessas quimeras”, diz o biólogo. “Esse tipo de experimento pode gerar temores injustificados na sociedade e colocar em risco o trabalho de outros cientistas que estão tentando criar um marco ético e legal para pesquisas relacionadas”, acrescenta Martínez Arias. […]

Marta Shahbazi aplaude a nova pesquisa. “Este estudo demonstra que as quimeras se formam. Parece que o sistema delas funciona e é eficiente”, aponta. A pesquisadora, da Universidade de Cambridge, acredita que as estruturas quiméricas de macaco e humano são “um sistema muito útil” para estudar o desenvolvimento embrionário. “É uma ferramenta complementar para a compreensão da biologia básica”, reflete Shahbazi. “Mais tarde, esse conhecimento poderia ser usado para voltar ao porco e ter um modelo de criação de órgãos humanos em animais de fazenda. Isso seria o ideal.”

(El País)











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