Jesus em Hebreus


O Livro de Hebreus, embora negligenciado por séculos pelo grande corpo do cristianismo, é um dos mais emocionantes livros da Bíblia. Seus ensinos fazem uma ligação entre a fé genuína mantida pelos fiéis de Deus anteriores a Cristo com a doutrina ensinada pelos apóstolos após Sua maravilhosa manifestação em carne.

Para nós, adventistas do sétimo dia, o livro representa a confirmação de nossas mais caras doutrinas distintivas. Nenhum cristão deveria contentar-se em viver a sua fé sem a compreensão desse precioso livro, com toda a riqueza de relações da fé cristã com o povo escolhido que foi o guardião da fé antes da presença gloriosa de Cristo neste mundo.

A lição começa com o pensamento-chave de que "o livro de Hebreus foi escrito a fim de ajudar a manter fiéis pessoas que estavam sendo tentadas a abandonar a fé".

Ao longo de todo o livro, o tema presente é exaltar a Jesus Cristo. Hebreus, embora pleno de expressões doutrinárias, é um livro que de início ao fim exalta a Jesus. Nesse sentido, o autor põe Jesus em diversos papéis: Filho, Herdeiro, Criador, remidor, sustentador.

Creio que o papel mais destacado de Jesus em Hebreus é o de Sumo sacerdote. Com base nessa convicção, é tocante o convite do apóstolo aos crentes:

"Acheguemo-nos... confiadamente, junto ao trono da graça, a fim de recebermos misericórdia" (4:14-16).

"Aproximemo-nos, com sincero coração. ... Guardemos firme a confissão... pois quem fez a promessa é fiel" (10:19-23).

Com base no comentário de Philip Edgcumbe Hughes, podemos dizer que o argumento do livro adota o seguinte esquema:

  • Jesus é superior aos profetas.
  • Jesus é superior aos anjos.
  • Jesus é superior a Moisés.
  • Jesus é superior a Arão.
  • Jesus é superior como o novo e vivo caminho.

De fato, o autor do livro estava principalmente preocupado em advertir seus leitores contra a apostasia. Mais provavelmente, os leitores de Hebreus eram crentes judeus que estavam correndo o risco de perder o entusiasmo pela sua nova fé. Cristo já havia ascendido ao Céu, o evangelho estava se espalhando por todo o mundo gentio, a grande esperança da volta de Jesus em breve estava se provando não ser tão imediata como esperavam, as perseguições estavam surgindo e eles sentiam saudades de sua cultura judaica e dos costumes milenares que haviam abandonado.

Assim, estavam sendo tentados a duvidar da singularidade do ministério de Jesus Cristo. Cristo poderia ser apenas mais um dos profetas enviados por Deus, e não o próprio Messias esperado. Portanto, estavam a ponto de voltar ao judaísmo do qual haviam saído.

Daí que Paulo apresenta toda a sua argumentação no sentido de mostrar que, depois de conhecer o cristianismo, eles nada mais poderiam esperar do judaísmo, pois Cristo era superior a todos os aspectos mais caros da religião judaica. Por este motivo o autor produz seis sérias advertências contra a apostasia:

  1. O perigo de negligenciar tão grande salvação (2:1-4).
  2. O perigo de imitar o exemplo dos israelitas no deserto (Hebreus 3:7–4:2).
  3. O perigo da estagnação e apostasia (5:11–6:8).
  4. O perigo de desprezar o evangelho (10:26-31).
  5. O perigo de seguir o exemplo de Esaú (12:15-17).
  6. O perigo de recusar Aquele que fala dos Céus (13:1-25).

Essas advertências ajudam a entender o contexto em que o livro foi escrito.

Os argumentos do livro

1. A argumentação começa demonstrando a superioridade de Jesus Cristo a todos os profetas. Se Deus outrora havia falado por meio dos Seus profetas, agora havia falado por Alguém que era superior a todos os Seus mensageiros (1:1-3).

2. Em seguida, o escritor passa a mostrar a superioridade de Jesus sobre os anjos. Cristo é superior porque tem nome mais excelente, é Filho de Deus, é o Primogênito de Deus, é Rei, assentou-Se à direita do Pai. Cristo é o verdadeiro Homem exaltado sobre os anjos.

3. Logo o autor passa a demonstrar que Cristo é superior a Moisés. Cristo é mais honrado do que Moisés. Se Moisés conduziu o povo de Israel à Terra Prometida, a terra a que Moisés os levou não chegou a ser o descanso almejado. O descanso é o evangelho de Jesus Cristo.

4. Se Moisés foi o grande líder e estadista de Israel no passado, Arão era o protótipo do sacerdote. Mas Jesus Cristo é um Sumo sacerdote mais compassivo. Ele tem qualificações superiores às de Arão. Seu sacerdócio é superior porque pertence a uma ordem superior, isto é, a de Melquisedeque.

5. O sacerdócio hebraico era imperfeito, mas nosso Sumo sacerdote é perfeito e eficaz. Sua redenção é suficiente e eterna.

6. Finalmente, na sua argumentação sobre a superioridade de Cristo, é-nos dito que Cristo é o "novo e vivo caminho" que nos permite adentrar com ousadia o santuário divino.

Este é o Jesus Cristo que estudaremos no decorrer deste trimestre.

Ocasião

Não existem evidências indiscutíveis no livro de Hebreus a respeito da ocasião em que foi escrito. Mas, com toda probabilidade, isso ocorreu poucos anos antes da destruição de Jerusalém em 70 d.C. O livro menciona que o autor e seus leitores haviam ouvido o evangelho em primeira mão (2:3), o que coloca o livro no primeiro século. Mas, pelo tempo passado, já deveriam ser mestres (5:12), o que permite a passagem de algum tempo desde a ascensão de Cristo. Assim, os anos precedentes da tomada de Jerusalém pelo general Tito são o tempo mais aceito, ou seja, entre 60 a 70 d.C.

Para quem?

Pelo silêncio do livro a respeito dos personagens envolvidos, é difícil saber onde estava o seu autor e para onde era destinado o livro. Nem a saudação contida no penúltimo versículo: "os da Itália vos saúdam", nos ajuda. Tanto pode ser uma saudação dos judeus que estavam com o autor em Roma por ocasião da escrita do livro, endereçado a alguma comunidade de cristãos judeus em Jerusalém, Alexandria ou outra localidade, como pode ser o inverso: o livro é endereçado para Roma, e com o autor se encontravam judeus provenientes da Itália, que agora enviavam suas saudações aos compatriotas na capital do Império.

Mas uma coisa é certa: O livro foi escrito para cristãos de origem judaica. A Lição destaca que os leitores de sua carta estavam bastante familiarizados com a História e a Teologia do Antigo Testamento. O livro dá grande ênfase ao sistema do santuário, o sacerdócio, a história e a Bíblia hebraica. Leia os textos mencionados na Lição:

"Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas…" (Hebreus 1:1).

"Como em outro lugar também diz: Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque" (Hebreus 5:6).

"Ora, a primeira aliança também tinha preceitos de serviço sagrado e o seu santuário terrestre" (Hebreus 9:1).

"Ora, visto que a lei tem sombra dos bens vindouros, não a imagem real das coisas, nunca jamais pode tornar perfeitos os ofertantes, com os mesmos sacrifícios que, ano após ano, perpetuamente, eles oferecem. Doutra sorte, não teriam cessado de ser oferecidos, porquanto os que prestam culto, tendo sido purificados uma vez por todas, não mais teriam consciência de pecados? Entretanto, nesses sacrifícios faz-se recordação de pecados todos os anos, porque é impossível que o sangue de touros e de bodes remova pecados" (Hebreus 10:1-4).

A grande riqueza do livro de Hebreus é a utilização que seu autor faz do cerimonial do santuário, descrevendo o papel dos sacerdotes, do cordeiro e de suas festas como tipos do ministério sumo sacerdotal de Cristo. Para nós, adventistas do sétimo dia, que temos no santuário uma doutrina fundamental, o livro é uma verdadeira fonte de conhecimentos. O livro de Hebreus se articula principalmente com os livros de Moisés, com Daniel e Apocalipse, além dos Evangelhos.

Autoria

A autoria do livro de Hebreus é uma controvérsia que vem desde o segundo século. O livro não contém qualquer evidência sólida a respeito de seu autor. Ao contrário das epístolas de Paulo, que sempre se identificava no início e/ou no final de suas cartas, aqui o autor não menciona o nome nem de onde está escrevendo. Tampouco os escritores daquela época dão qualquer indicação de quem foi seu autor.

A discussão a seguir oferece um resumo histórico das convicções a respeito da autoria de Hebreus. Para alguns, pode ser um tanto árida. Se você deseja conhecer, ainda que brevemente, os argumentos pró e contra a autoria paulina de Hebreus, por favor, continue. Se preferir saltar esta parte, por favor, leia a porção seguinte, intitulada "A posição adventista".

Segundo Philip E. Hughes, em seu livro A Commentary on the Epistle to the Hebrews, a primeira evidência da existência de Hebreus surge na Epístola de Clemente de Roma aos Coríntios, escrita ainda no primeiro século. Pelo fato de utilizar um bom número de expressões e argumentos de Hebreus, algumas delas citações textuais, conclui-se que já nessa época Hebreus era um livro conhecido e aceito no meio cristão. Mas Clemente não dá qualquer indicação quanto à identidade do seu autor.

O que surpreende é que, depois de Clemente, a igreja em Roma aparentemente desconheceu o livro ou não o aceitou como inspirado por mais de dois séculos. Evidentemente, não o reconhecia como um dos escritos de Paulo.

Já em Alexandria, Eusébio fez uma referência às "catorze epístolas de Paulo", da qual se depreende que ele tinha em mente as treze epístolas nossas conhecidas mais o livro de Hebreus. Por sua vez, Clemente de Alexandria (que morreu cerca de 215 d.C., não confunda com o Clemente de Roma, citado poucas linhas atrás) escreveu que Hebreus havia sido escrito por Paulo, dirigindo-se aos judeus na linguagem hebraica, e que Lucas posteriormente o havia traduzido para o grego.

Orígenes (morto em 255 d.C.), sucessor de Clemente, no entanto, expressou dúvidas a respeito de ser Paulo o autor do livro. Ele afirmava que o estilo do livro de Hebreus era mais puro, tinha melhor estrutura lógica. E admitia que "os pensamentos da epístola são admiráveis e não são inferiores aos escritos reconhecidos como sendo de Paulo". Em sua opinião, "os pensamentos eram do apóstolo, mas o estilo e a composição pertencem a alguém que se lembrava dos ensinos do apóstolo e, por assim dizer, fez breves anotações do que havia sido dito por seu mestre". Foi Orígenes quem escreveu a célebre frase a respeito da autoria de Hebreus: "A verdade só Deus sabe".

Depois do século 3, a Igreja como um todo passou a aceitar que a epístola era de autoria de Paulo. E assim foi por quase mil anos. Durante a Idade Média, a Igreja utilizou muito a versão bíblica em latim denominada "Vulgata". Na organização dessa Bíblia, Jerônimo deu ao livro de Hebreus o título de "Epistola Pauli ad Hebraeos". E assim, a autoria paulina de Hebreus permaneceu inquestionada até a chegada da Reforma. O Concílio de Trento (1546) também reconheceu que Paulo o havia escrito.

Foi a Reforma que trouxe nova energia ao estudo da Bíblia, e com ele, nova discussão sobre a autoria.

Lutero, a princípio, aparentemente aceitou que se atribuísse o livro a Paulo, mas logo rejeitou a idéia. Calvino também a rejeitou.

Desde aquele tempo, década após décadas, a controvérsia se acentuou, a ponto de que hoje poucos eruditos aceitam a idéia de que Paulo é o autor. A grande maioria dos comentaristas de hoje apenas discute diversas possibilidades. Para muitos, a forma de se expressar de cada autor é indiscutível pelo uso que faz das preposições e dos conectivos. De acordo com esse critério, é impossível que Paulo seja seu autor.

Outros alegam que essa é uma impossibilidade por causa do estilo literário. Enquanto Paulo, nas treze epístolas conhecidas de sua autoria, faz constantes circunlóquios e parênteses, dos quais algumas vezes nem retorna mais, Hebreus é um primor de ordem e clareza de pensamento.

Outros ainda se apegam às diferenças temáticas. Certos temas que são caros a Paulo nas outras epístolas, estão ausentes em Hebreus. Outros, que são explorados em profundidade em Hebreus, não encontram eco nas outras epístolas. Assim, para a maioria dos estudiosos de hoje, o autor de Hebreus é uma incógnita. Por isso, é muito comum, mesmo em publicações adventistas, a referência indireta ao "autor do livro de Hebreus".

A posição adventista

Mas nós, adventistas do sétimo dia, temos o privilégio de contar com a inspiração do Espírito de Profecia. Alguns assuntos que são desconhecidos para muitos ficam muito claros para nós. Quanto à autoria de Hebreus, Ellen G. White não discute o tema. Ela só faz algumas afirmações de passagem que, para os que crêem, são suficientes para esclarecer o assunto. Seguem seis referências originais que encontrei pesquisando o CD-rom Obras de Ellen G. White. Existem outras menções, porém são secundárias, isto é, são os mesmos parágrafos repetidos em outros livros.

  1. "O primeiro [reino] é apresentado por Paulo na epístola aos Hebreus." – Ellen G. White, O Grande Conflito, pág. 347.
  2. "O apóstolo Paulo, na epístola aos Hebreus, diz..." – Ibidem, pág. 411.
  3. "Volvendo novamente ao livro de Hebreus, os inquiridores da verdade acharam, subentendida nas palavras de Paulo já citadas..." – Ibidem, pág. 413.
  4. "O que semelhante fé tem poder para fazer é-nos dito por Paulo em sua carta aos Hebreus." – Nos Lugares Celestiais, [Meditações Matinais, 1968], pág. 268.
  5. "Em sua epístola aos Hebreus, Paulo declara..." – Ibidem.
  6. "Paulo, em sua epístola aos Hebreus, diz..." – Testemunhos Seletos, vol. 2, pág. 267.

Se essas referências despretensiosas de Ellen G. White podem ser consideradas determinantes, o problema está resolvido. Esta é a posição adotada pelo Seventh-Day Adventist Bible Commentary. Também é a adotada pela Lição deste trimestre. Especialmente nas primeiras lições, o autor faz diversas referências a Paulo como autor do livro. Já para a segunda metade do trimestre, o leitor vai perceber que a Lição passa a referir-se apenas ao "autor de Hebreus", ou apenas "o autor", sem nomeá-lo.

Segundo o Seventh-Day Adventist Bible Commentary, grande parte das diferenças estilísticas se deve ao fato de que as outras epístolas e livros foram dirigidos a igrejas ou indivíduos específicos, para resolver problemas específicos. O livro pode ter sido anotado estenograficamente e, na transcrição, Paulo não teve oportunidade de fazer a edição (vol. 7, pág. 388).

Agora, uma palavra ao leitor. A questão da autoria do livro não é digna de que se criem controvérsias na igreja. Se, por acaso, surgirem diferentes posições entre os irmãos, a melhor atitude é acatar todas sem discussão. O tema foi aqui estudado unicamente para esclarecimento do leitor. O conhecimento dessas questões pode ajudar o leitor a situar-se quando ouve ou lê referências ao assunto. Mas criar dissensões na igreja por questão tão pequena seria perder de vista o grande objetivo do estudo deste trimestre.

Teremos lições preciosíssimas nas próximas doze semanas, que certamente servirão para o alimento intelectual e espiritual dos que se dedicarem a compreender este grande tema do santuário no livro de Hebreus. Para tanto, oramos que o Espírito Santo nos ilumine.

Pr. Lícius O. Lindquist

Fonte: http://www.alicao.com.br/04_licao_04_Jesus_nosso-irmao_fiel/leitura_Jesus_em_hebreus.html

Referências:

Obras consultadas: Além da Bíblia e da Lição da Escola Sabatina, os conceitos deste comentário foram extraídos das seguintes obras:

  • Ellen G. White, CD-rom Obras de Ellen G. White.
  • Philip Edgcumbe Hughes, A Commentary on the Epistle to the Hebrews.
  • R.N. Champlin, O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo.
  • Seventh-Day Adventist Bible Commentary.
  • Thomas Hewitt, Hebrews, Série Tyndale’s New Testament Commentaries.
  • William G. Johnsson, The Book of Hebrews, Série Abundant Life Bible Amplifier.

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