“Nem à esquerda, nem à direita”, explica doutor em Sociologia

*entrevista realizada em 2017 com o sociólogo adventista Thadeu de Jesus e Silva Filho, foi dividida em duas partes na página . As duas partes seguem abaixo 

Brasília, DF ... [ASN] A crescente discussão, amplificada pelas mídias sociais, sobre direita e esquerda, é intensa nos meios cristãos e tem gerado uma imediata polarização. De um lado, os que defendem determinada ideologia considerada de esquerda e, de outro, os que defendam ideais atribuídos a um conceito de direita. A Agência Adventista Sul-Americana (ASN) conversou sobre essa temática com Thadeu de Jesus e Silva Filho, bacharel, mestre e doutor em Sociologia e atual diretor do departamento de Arquivo, Estatística e Pesquisa da sede sul-americana adventista.

Hoje se discute muito no mundo inteiro a polarização entre os que defendem ideologias ditas de esquerda e de direita. Sob o ponto de vista sociológico, o que essa polarização significa e mesmo esses dois lados como podem ser compreendidos?

O início do debate político “direita x esquerda” tem data, lugar e cenário conhecidos: fim do século XVIII na França, momento conhecido como Revolução Francesa. Tão logo foi instaurada a assembleia constituinte de 1789, os favoráveis à manutenção do poder do rei sentaram do lado direito do presidente para não se misturarem aos adeptos à revolução, fazendo com que o lado esquerdo do parlamento passasse a ser o lugar da causa dos menos favorecidos e que precisam quase que completamente do atendimento do Estado, e o direito, o de manutenção da situação de elitismo.

Desde então, e com muito mais frequência a partir da queda do Muro de Berlim, as concepções sobre “direita” e “esquerda” mudaram muito. Há entendimentos que dizem que direita é quem está no poder, e esquerda, a oposição, mas que, terminado o mandato, partidos e pessoas hoje em um lado podem passar para o outro, a depender de quem vier a ser eleito. Outro aponta que a diferença está em torno da propriedade, com a direita promovendo um mercado cada vez mais livre de regulamentação, e a esquerda, lutando por maior controle estatal da economia. Uma terceira compreensão vê que a polarização é uma concepção de justiça, em que no polo direito estão os defensores de que o dinheiro deve ir para quem trabalha mais, e no esquerdo, para quem precisa mais. Um outro ponto de vista se baseia primordialmente nas bases filosóficas das ideologias, a ponto de ver tantas diferenças internas dos polos que o correto é chamar de “as esquerdas” e “as direitas”, no plural.

Outra ainda diz que o debate “direita x esquerda” não faz mais sentido diante do cenário complexo de ideologias políticas conflitantes, ao passo que um outro entendimento diz que o cenário social chegou a um ponto tal de complexidade que passou a exigir uma terceira via, o centro. E há outras que dizem que a polarização entre esquerda e direita existe somente enquanto os Estados Unidos forem o país mais rico e poderoso. Nos casos concretos de propaganda partidária, o que se viu ao longo do século XX foi a ocupação do polo esquerdo do debate por ideologias favoráveis à ingerência do governo na vida privada, baseado no ideal de igualdade (que deve ser superior a qualquer outro), e, do polo direito, por defensores dos direitos individuais, contrários à intervenção do Estado, para quem a moral está acima de qualquer reforma.

Apesar da variação e multiplicidade de significados dos termos e das bandeiras que cada polo levantou, quatro fatos de natureza sociológica são certos. O primeiro é que “direita” e “esquerda” sempre foram oposição entre si, nunca cooperação ou complementação. O segundo é que, historicamente, os termos da dicotomia foram obra das esquerdas, apresentando sua causa como justa e considerando de direita quem a ela se opunha. E o terceiro é que essa polarização produziu tipos humanos bem distintos, baseados numa espécie de atitude básica inicial diante do mundo e da vida: o tipo da direita, que enxerga os limites impostos pela natureza das coisas e pela biologia como realidade insuperável, rendendo-se ou acomodando-se diante delas; e o das esquerdas, que nega a situação e não se conforma com o estado das coisas nem com a sua própria condição existencial – que o dotam de uma postura metafísica de contestação que culmina em revolução. A formação desses dois tipos humanos distintos, incompatíveis por definição, é o que mais chama atenção do ponto de vista sociológico. O quarto a chamar atenção é um aspecto pouco lembrado da Revolução Francesa, mas importantíssimo do ponto de vista sociológico: a força das ideias ao encontrarem um portador adequado. Naquele caso, as ideias foram as de igualdade, liberdade e fraternidade oriundas do Iluminismo, e o portador, a classe trabalhadora burguesa oprimida pelos nobres. Valendo-se do binômio “igualdade-pobres”, aquela revolução alterou abruptamente a alocação do poder na França e fixou a polarização dos seus cidadãos por meio de ideias.

Do ponto de vista da cosmovisão bíblica, as igrejas têm um ponto comum com essas ideologias? Ou igrejas que se dizem cristãs deveriam ou poderiam seguir por uma terceira via?

Qualquer pessoa que decida auxiliar o próximo encontrará em Cristo a concretização perfeita do cuidado: alimentou multidões famintas, curou doentes, chorou com as irmãs de Lázaro ao saber da morte do seu amigo, ressuscitou o filho da viúva de Naim, restaurou a visão de um cego de nascença a quem o povo via como pobre. Na cruz, amparou Sua mãe ao incumbir João de cuidar dela e Sua parábola mais conhecida diz que se deve “fazer o bem sem olhar a quem”. Quando uma ideologia apresenta elementos semelhantes ao de Cristo, evidentemente se estabelecem pontos comuns – ainda que somente na aparência. O de proteção aos pobres expresso pelas esquerdas é um deles. É um discurso muito atrativo, especialmente em regiões como a América do Sul, onde é enorme a quantidade de gente vivendo em condições indignas. Mas, observado com mais atenção, revelará que ele não é o núcleo da ideologia das esquerdas nem tem a ver com a religião de Cristo, por ser uma plataforma de ação política, ou seja, algo que opera segundo a lógica do poder e que está longe do amor desinteressado, como é o de Jesus por Seus filhos. Além disso, ainda que o objetivo das esquerdas fosse a emancipação do ser humano das condições indignas pelas vias do Estado (conforme disse Karl Marx), vê-se com ainda mais clareza que não é o mesmo objetivo de Jesus.

A religião de Cristo é de natureza sobrenatural e qualitativamente superior às criações humanas. Se houver qualquer dúvida sobre o objetivo do Salvador ao socorrer o ser humano, observe que Ele chamou Seus milagres de sinais, isto é, algo que não é um fim em si mesmo, mas cuja finalidade é apontar para coisa muito mais importante – como o faz uma placa de trânsito ao indicar um evento ou designar uma ação. Ao atender miraculosamente as necessidades humanas, Cristo usou elementos deste mundo para chamar a atenção para algo maior, o amor e a justiça de Deus. De modo que, pela cosmovisão bíblica, a religião de Cristo pode ser vista como a religião do Outro, e, portanto, a missão da igreja inclui cuidar de gente, mas com vistas a inspirar pessoas para o reino de Deus que um dia há de ser estabelecido e livrará o ser humano da condição degradante do pecado definitivamente.

Isso significa dizer que as igrejas cristãs, como a Igreja Adventista, deveriam ver com cuidado alguns movimentos que, em si, parecem ser muito justos, mas que podem estar na contramão do discurso bíblico?

Certamente. Ideologias humanas possuem argumentos que podem parecer justos e, alguns deles, até necessários num cenário de injustiças. Alguns desses argumentos são bastante populares, inclusive. Mas o ponto central a ser levado em consideração é o tipo de pessoa que alguém se torna quando assume certas ideias. O chamado de Jesus é para sermos humildes, mansos, famintos e sedentos da justiça de Deus, misericordiosos, pacificadores, limpos de coração, perseguidos por causa da justiça de Deus e injuriados pela simples razão de sermos parecidos com Ele. Que ideologia humana leva a essa semelhança com Cristo?

Você defende uma igreja politicamente mais à esquerda ou mais à direita?

Nem à esquerda, nem à direita, mas para cima, para Deus. Tenho um texto bíblico que acho muito prudente citar: “Vós sois cá de baixo, Eu sou lá de cima; vós sois deste mundo, Eu deste mundo não sou” (João 8:23). [Equipe ASN, Felipe Lemos]

Fonte: Adventistas.org

2º parte da entrevista

Brasília, DF... [ASN] Em maio deste ano, a Agência Adventista Sul-Americana de Notícias (ASN) publicou uma primeira entrevista com o sociólogo Thadeu de Jesus e Silva Filho a respeito de conceitos de esquerda e direita (leia aqui). A segunda parte, em que o especialista aborda conceitos como marxismo cultural e outras ideologias filosóficas, bem como teorias que têm caracterizado a discussão política mundial, pode ser lida a seguir. Thadeu é mestre e doutor em Sociologia e atual diretor do departamento de Arquivo, Estatística e Pesquisa da sede sul-americana adventista, sediada em Brasília.

O que é o marxismo cultural, em linhas gerais?

Marxismo cultural é uma estratégia de poder que tenta acabar com os valores judaico-cristãos em sociedades neles fundamentadas. É realizada por meio de ocupação de cargos e de espaços de influência, tendo como fundamentos a filosofia de Karl Marx, a ideia de intelectual orgânico de Antonio Gramsci, a Teoria Crítica (Escola de Frankfurt), ideologias linguísticas e o seu caráter transgeracional.

Marx diz que, nos estágios evolutivos da humanidade, o capitalismo alienou (separou) o ser humano de si mesmo, do seu trabalho, da natureza e dos outros. A fim de emancipar o homem dessa alienação, os proletários teriam de tomar o poder das mãos da burguesia por meio de uma revolução armada e estabelecer uma sociedade igualitária, na qual as pessoas caçariam de manhã, pescariam à tarde, pastoreariam à noite e filosofariam depois de comer. Essa tomada do poder usando armas para fundar uma sociedade sem classes governada pelo proletariado seria o auge da evolução da humanidade.

O segundo pilar do marxismo cultural é o intelectual orgânico, de Antonio Gramsci – filósofo marxista e jornalista, um dos fundadores do Partido Comunista da Itália e que veio a ser seu secretário-geral em algum momento. Foi preso em 1926 e condenado a mais de 20 anos de prisão, mas colocado em liberdade condicional em 1936 (ano anterior à sua morte) por causa do mau estado da sua saúde.

Na cadeia, escreveu cerca de três mil páginas que, organizadas postumamente em seis volumes, foram publicadas sob o título de Cadernos do Cárcere. Em um deles, Os Intelectuais e a Organização da Cultura, chama atenção para a importância do intelectual no desenvolvimento das ideias que governam a relação entre as pessoas, indicando dois tipos: o tradicional (que se vê como autônomo em relação às classes e alheio às suas lutas) e o orgânico (representante de uma classe social e também responsável por dar formas e rumo à sociedade). E aí reside o segundo fundamento do marxismo cultural: Gramsci concordava com Marx sobre tomar o poder através de revolução, mas dizia que ela deveria acontecer pela introjeção de conteúdos revolucionários na mente da população através dos intelectuais orgânicos, não pelas armas. Seria uma revolução do conhecimento e dos valores – o que é conhecido como revolução cultural.

Assim, uma das tarefas dos revolucionários para ter o poder de uma sociedade e nele se perpetuar é criar um intelectual para propagar seus interesses durante o exercício natural e cotidiano da sua profissão. Nesse sentido, membros de partidos políticos, professores, artistas, jornalistas e veículos de comunicação atuam como intelectuais orgânicos encarregados de realfabetizar as mentes com conteúdo revolucionário nas esferas política, religiosa, jurídica, econômica, científica e artística, a ponto de as pessoas passarem a pensar como marxistas sem necessariamente saberem disso, tomando o marxismo como conhecimento natural e esperado.

O terceiro pilar vem da Escola de Frankfurt. Originalmente chamado de Instituto para o Marxismo, foi um grupo de intelectuais que transpôs para o campo cultural o marxismo já presente nas esferas econômica e política, por meio da mescla da teoria de Marx com a de Freud. Essa ação ampliou enormemente o número de pessoas alcançadas pelas suas discussões e, consequentemente, pelas obras produzidas.

Uma delas é o estudo que originou o livro The Authoritarian Personality, liderado por Theodor Adorno, quando morava nos Estados Unidos. Na obra, concluiu que a cultura ocidental é doente do mal da “personalidade autoritária”; que os cidadãos ocidentais são indivíduos potencialmente fascistas e cruéis, como os executores do Holocausto; que o país que o recebeu é tão mau como o regime que o expulsou, e que, portanto, indivíduo, cultura e sociedade ocidentais precisam ser vistos como pacientes de um grande manicômio, cujo tratamento começaria com a crítica cabal às criações e valores do Ocidente.

O quarto fundamento do marxismo cultural é um conjunto de métodos e técnicas oriundo de ideologias linguísticas que visam a mudança do sentido das palavras. Um deles é o desconstrucionismo, de Jacques Derrida, que assevera que conhecimento e cultura devem passar por reinterpretação e ressignificação até se concluir que não há fatos, somente interpretações. Outro é o sócio-construtivismo, de Vigotski, doutrina pedagógica que sustenta que o conhecimento é produzido coletivamente e de acordo com o tempo, o lugar e as relações políticas presentes, isto é, que se tivesse sido criado em outro lugar, por outras pessoas e mediante outras circunstâncias de poder, o conhecimento resultante seria outro.

Outro, ainda, é o movimento da Virada Linguística (Linguistic Turn), cuja tese é de que a realidade social não é nada mais do que uma narrativa criada pelo discurso e que a História é um gênero literário, sem pretensão de expressar a verdade, incapaz de comprovar a veracidade dos fatos. Mais recentemente, o “politicamente correto” engrossou a lista de ideologias que sustentam a operacionalização do marxismo cultural, ao cercear o uso de certas palavras e expressões, querendo determinar com uma força semelhante à da lei o que pode e o que não pode ser dito.

O último fundamento do marxismo cultural é o seu caráter transgeracional. Diferentemente das revoluções – que ocorrem em intervalo de tempo relativamente curto –, sua implementação acontece em longo prazo de doutrinação, avançando pela naturalização dos conteúdos relativistas e revolucionários, tornando-se cada vez mais capilar, abrangente e imperceptível com o passar dos anos.

É possível dizer que o marxismo cultural é incompatível com a cosmovisão bíblica? Por quê?

Sim. Em primeiro lugar, por serem de naturezas divergentes. O marxismo cultural quer coisas deste mundo, enquanto a cosmovisão bíblica mostra que o sentido é a vida eterna (ainda que seus Mandamentos se dirijam para o homem que vive neste mundo e é afetado pelas coisas daqui).

As demais razões derivam dela. Para o marxismo cultural, o mundo pode ser mudado. Já que os problemas foram causados pelas estruturas injustas da sociedade, seu propósito é eliminar as desigualdades sociais. Os inimigos devem ser aniquilados e seu principal instrumento de ação é a doutrinação cultural. Para a cosmovisão bíblica, quem pode ser transformado é o ser humano, não o mundo; a causa do problema é o pecado. O objetivo da ação de Deus é resgatar Sua imagem nos Seus filhos e convidá-los para o encontro com Ele na Sua segunda vinda; os inimigos devem ser amados e os meios de existência são a comunhão pessoal com Deus, o ensino e o cuidado com o outro e a pregação do Evangelho. Divergem, portanto, do núcleo às derivações.

Há, ainda, uma outra razão para a incompatibilidade. Isso fica claro quando tratam de temas de interesse para ambos, como configuração da família e identidade sexual. Para o marxismo cultural, regras e definições da Bíblia são somente convenções socialmente construídas que precisam ser extirpadas porque são religião, ópio do povo, falsa consciência, instrumento de dominação dos oprimidos. Na cosmovisão bíblica, a Palavra de Deus é autoridade normativa, de modo que o que é questão de fidelidade para o cristão é entrave para o indivíduo de mentalidade revolucionária.

Mas questões como identidade de gênero, respeito aos direitos de liberdade de crença, orientação sexual, etc., não são importantes para quem se afirma como cristão e defende um mundo mais justo?

Sim, mas no sentido dado pela Bíblia, não porque ideologias dizem que é preciso agir dessa maneira. Somos irmãos, o amor e a misericórdia de Deus são direcionados a todos indistintamente. Devemos nos tratar como Cristo tratou as pessoas enquanto viveu aqui. Questões como identidade sexual e liberdade de crença são importantes para os cristãos por saberem que toda e qualquer pessoa no mundo pode viver como bem entender, inclusive em total oposição a Deus e ao padrão bíblico se assim preferir, desde que não ameace o ir e vir dos demais.

A batalha do cristão é ver Cristo no outro, é olhar para a vida e para as pessoas com a mente de Cristo, é pensar naquilo que diz Filipenses 4:8. Trata-se de ação direcionada ao indivíduo, reconhecidamente em forma de socorro diante de desamparo, fome, doença e calamidades, e de dedicação de tempo para ouvir e aliviar fardos. Neste sentido, é preciso entender que o foco da Bíblia é transformar o caráter do indivíduo.

E as ideologias de direita? São mais compatíveis com a cosmovisão bíblica?

Também não. Se a fragilidade das esquerdas consiste em afirmar que os problemas são causados por algo fora do ser humano (as estruturas injustas da sociedade), e que a eliminação de tais estruturas injustas faria desaparecer tais problemas, a da direita é construir seu edifício sobre algo dentro do homem, a saber, o egoísmo natural – entendido como algo virtuoso e a fonte das realizações.

É esse núcleo o que dá base a seus ideais econômicos, políticos, jurídicos, científicos, artísticos, de sociedade, nação, Estado e governo. Partem do princípio de que características egoístas, a ambição natural de acumular, o desejo inato de poder e a imagem de si como alguém mais importante do que o outro são as virtudes e os atributos que geram os melhores sistemas de organização. Todas as demais construções derivam disso. No que isso é compatível com a cosmovisão bíblica?

Há vertentes teóricas que advogam que as ideologias de direita são a transcrição política do cristianismo ou as que mais se aproximam dele por defenderem valores como a família, por exemplo. Isso me parece ser um erro conceitual (pelo fato de estas serem marcas do conservadorismo, não da direita). Uma observação rápida permite ver que os temas das ideologias de direita derivam de algo perfeitamente contrário aos ensinos de Cristo (de egoísmo, não de altruísmo).

Além disso, casos concretos e linhas teóricas mostram que não é pertinente associar direita ao cristianismo – como é o caso do populismo de direita na Europa (cuja bandeira é o nacionalismo e o impedimento à imigração) e do pensamento de Ayn Rand (pensadora ateia, que defende que o ser humano deve planejar sua vida para amar e satisfazer somente a si e guiá-la de acordo com sua vontade e razão, longe de qualquer determinação vinda de Deus). Ainda que alguns cristãos se aproximem da direita, a adesão deles a ela não a torna um estandarte do cristianismo.

Mesmo não sendo sinônimo de cristianismo, não tendo a mesma natureza nem seu fundamento, a direita conta, de fato, com uma ala cristã – vista claramente nos Estados Unidos. Em dois aspectos, essa ala cristã da direita se assemelha às ideologias de esquerda de modo nítido: entende que o mundo pode e deve ser mudado e faz dessa mudança seu símbolo identitário. Se, por um lado, a mudança proposta pelas ideologias de esquerda é acabar com as estruturas injustas da sociedade, por outro, a da ala cristã da direita é instalar o reino de Deus neste mundo, como se isso fosse possível e como se esta fosse a tarefa para a qual Deus tivesse chamado as pessoas a realizarem.

O cristão precisa escolher uma ideologia política ou filosófica para viver?

Poucas questões políticas são verdadeiramente espirituais. A liberdade religiosa é uma delas. Possivelmente, a de maior relevância. Não à toa, é também a mais recorrente na história. A Bíblia mostra casos de violência e de perseguição gerados simplesmente contra a liberdade que as pessoas têm de adorar a Deus. Tais foram os casos dos três amigos de Daniel que, por questão de consciência, não se curvaram perante a estátua do rei da Babilônia e foram condenados à fornalha quente; de Daniel, que, também por questão de consciência, orava a Deus três vezes por dia em sua casa durante decreto estatal de veto à oração e que, por isso, foi lançado à cova dos leões; de Estêvão, apedrejado por testemunhar da salvação em Cristo; de Saulo, perseguidor de cristãos, e, já Paulo, diversas vezes preso e condenado por ser discípulo de Cristo, quando apresentou sua defesa.

Mesmo sendo os cristãos respeitadores da autoridade temporal, conforme textos como Marcos 12:13-17; Atos 26:9-12; Romanos 13:1-7; I Timóteo 2:1-2; Tito 3:1-2; I Pedro 2:13-17, continuam sendo alvo de perseguição por parte de outros indivíduos por causa da liberdade de adorar a Deus.

Um segundo aspecto também merece atenção. Ao se tornar um cristão, o indivíduo adota a cosmovisão bíblica como fonte de explicação da realidade e autoridade sobre a conduta. Ela passa a comandar as esferas da vida particular e a julgar a pertinência de ideologias políticas, filosóficas, científicas ou de qualquer outra natureza que se apresentem ao crente em Deus.

Assim, caso o cristão queira adotar uma ideologia para viver, tal ideologia competirá com a autoridade da Bíblia, e o resultado desse embate mostrará o que é mais importante para ele, se a Palavra de Deus ou se ideologias humanas. Ainda, se o reino de Deus não é deste mundo (João 18:36), e se os filhos de Deus também não o são (João 17:14, 16, 18), por que adotar uma ideologia do mundo? Por acaso, querem viver no mundo para sempre? Mais: sendo que a Verdade e a Vida são Cristo e Sua Palavra (João 6:63; 14:6), por que procurar outras fontes para guiar a existência? Ideologias são incapazes de dar a Vida e a Verdade, e, a não ser que se esteja buscando outras coisas diferentes delas, não faz sentido adotar uma ideologia humana. Por fim, mas não menos importante, não é possível servir a dois senhores (Mateus 6:24): é preciso decidir se a Bíblia será a autoridade normativa sobre a vida.

“Tenham cuidado para que ninguém os escravize a filosofias vãs e enganosas, que se fundamentam nas tradições humanas e nos princípios elementares deste mundo, e não em Cristo” (Colossenses 2:8, versão Nova Versão Internacional).

Mas pensar assim não seria uma atitude passiva e omissa em relação às desigualdades desse mundo?

A Bíblia diz que injustiças e desigualdades só acabarão quando Jesus voltar (Marcos 14:7; Apocalipse 21:4). Até lá, a humanidade conviverá com elas, mas Deus segue restaurando no ser humano a dignidade tomada pelo pecado. A Bíblia chama indivíduos para agir efetivamente em prol do outro, dando seu tempo, seu dinheiro, suas forças, bom ânimo, afeto. Isso é tarefa de cada um, mandada por Deus (Mateus 7:12; Romanos 15:1; Gálatas 6:2). Agir em prol do outro nunca será passividade ou omissão. E não é preciso ideologia para aliviar o sofrimento (Mateus 25:40). [Equipe ASN, Felipe Lemos]

Fonte: Adventistas.org


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