A Gênese Da Família, A Família Do Gênesis



Segundo a Bíblia, a família é a mais antiga, a primeira instituição da história humana. Surgiu no sexto dia, como a última obra da criação divina, e marcou o início da história humana.

A família não veio sozinha. A ideia e o acontecimento não surgiram como uma iniciativa humana ou como simples resultado do acaso. Deus criou a família. Essa referência extraordinária ao Agente sobrenatural é dada na história do Gênesis de duas maneiras. Primeiro, é explicitamente formulado no relatório que diz que Deus “os criou”, “à Sua própria imagem” (Gênesis 1:27). Em segundo lugar, ela é implicitamente sugerida através do artifício literário do paralelismo que relaciona os dois relatos da Criação em Gênesis (Gênesis 1:1-2:4a//2:4b- 25; veja gráfico) e assim traz a criação da família no segundo texto (Gênesis 2:23-24) em conexão com a criação do sábado no primeiro texto (Gênesis 2:1-3).

Família e imagem de Deus

Relacionar a família com a produção da imagem de Deus traz uma série de lições que vale a pena considerar em nossa reflexão sobre o significado e a função da família.

Lição de confronto. Antes de mais nada, afirma que a imagem de Deus só pode ser alcançada naquele contexto de família onde homem e mulher e depois filhos e pais são confrontados com o vis-à-vis, o “outro”, como colocou o filósofo judeu Emmanuel Levinas. Você se torna a imagem de Deus, isso é a realização de quem você é no seu melhor, somente se você se submeter a essa luta dura e genuína. Esta é uma das mensagens espirituais registradas em nome de Israel (veja Gênesis 32:22-32). Para merecer seu novo nome Israel, Jacó teve que lutar com “o Outro” – Deus e o homem. A imagem de Deus, a individualidade humana, só floresce na medida em que somos interpelados pelo outro, pela sua diferença.

Lição de responsabilidade . A família, então, não é apenas uma dádiva do alto, não é apenas uma criação divina. Também envolve uma resposta de baixo. Curiosamente, a tradição judaica lê esta lição de responsabilidade humana na fórmula plural: “Façamos o homem à nossa imagem” (Gênesis 1:26). A ideia é que a imagem de Deus na pessoa humana não seja um mero produto passivo, mas sim um processo dinâmico. O homem não apenas recebe; ele/ela também responde ativamente e participa da “construção” do selo divino nele/ela. Aliás, a palavra hebraica para família é bayt(lar). Fundar uma família significa “construir uma casa” (Deuteronômio 25:9). Esta linguagem implica esforço humano e trabalho árduo. A família não é apenas o “lar doce lar” para ser desfrutado beatificamente. Não é obtido facilmente. Pelo contrário, é algo para construir dia a dia, tijolo por tijolo, com dor, mas também com cuidado, porque é algo difícil e precioso de alcançar e manter.

Lição da diferençaO paralelo entre casa e família transmite também uma lição sobre a natureza dos ingredientes que compõem a família. Cada tijolo, cada material da casa tem algo único e desempenha um papel único que o torna necessário para a construção. É esta singularidade, esta variedade que torna a casa possível. O tijolo não se comporta como uma telha e a janela não pretende ser uma chaminé. Cada indivíduo é diferente em sua aparência e em seu caráter. A vida familiar nunca é monótona. É cheio de surpresas e novas descobertas que tornam a vida interessante e rica.

Lição de solidariedadeE, no entanto, cada elemento da casa não fica sozinho. O tijolo, o azulejo, a janela e a chaminé servem um ao outro; e além um do outro, eles servem a propósitos mais elevados: a sociedade, o universo e Deus. Eles, portanto, devem se relacionar uns com os outros, e todos participam para tornar a casa possível, confortável, agradável e útil. A telha não segue seu próprio caminho, e o tijolo não segue suas inclinações pessoais. Ninguém ousaria declarar independência e pensar que poderia fazer o que quisesse e “isso não é da sua conta”. Todos sabem que dependem uns dos outros. Se uma telha quebrar, o tijolo sofrerá. De fato, “nenhum tijolo ou telha é uma ilha”.

Família e sábado

A conexão bíblica entre família e sábado não é atestada apenas nos passos da história humana em Gênesis 1 e 2. Essa associação se repete no início da história de Israel. Na Lei dada no Monte Sinai, o mandamento sobre a família está relacionado ao mandamento sobre o sábado. Eles seguem um ao outro na seqüência das leis. Eles também estão estilisticamente conectados, pois são os únicos dois mandamentos que são expressos positivamente com a mesma forma gramatical do infinitivo absoluto: quarto mandamento: “Lembra-te [ zakor ] do dia de sábado” (Êxodo 20:8); quinto mandamento: “Honra [ kabed] seu pai e sua mãe” (Êxodo 20:12). A mesma associação também introduz as leis cerimoniais no livro de Levítico: “Cada um de vós temerá sua mãe e seu pai, e guardará os meus sábados: eu sou o Senhor vosso Deus” (Levítico 19:3). Essa relação entre o sábado e a família contém várias lições importantes.

Uma lição de tempoA conexão entre o sábado e a família nos ensina o que Abraham Heschel nos lembrou, a saber, que o valor do tempo deve prevalecer sobre o valor do espaço. A dádiva do nosso tempo, a dádiva da nossa presença é mais importante que a dádiva dos objetos ou do dinheiro. Pois o sábado é o dia em que paramos de trabalhar, deixamos de conquistar e valorizar o espaço e as coisas. É o dia em que aprendemos a ter tempo, um dia em que podemos compartilhar o tempo juntos. O sábado é, portanto, o dia da família por excelência.

Uma lição de graçaO sábado é o dia em que lembramos que não são nossas conquistas que contam, mas o presente que recebemos do outro — de Deus e de nossos pais, cônjuge e irmão. Introduzir essa perspectiva de graça na vida familiar nos ajudará a apreciar uns aos outros e a ser gratos. Aprenderemos a não dar o presente como garantido, mas a desfrutá-lo como algo que não merecíamos, assim como o sábado foi paradoxalmente dado a Adão e Eva como recompensa pelo trabalho que não fizeram. Esta mentalidade de graça e gratidão contribuirá para criar uma atmosfera de amor e alegria e assim promover uma família feliz.

Uma lição de deverVale ressaltar que tanto a família quanto o sábado são dados à humanidade como mandamentos, como se não fossem produtos naturais e espontâneos. O sucesso da família não depende apenas de grandes sentimentos e emoções, ou de boas palavras e sorrisos. A felicidade e a sobrevivência da família dependem também do dever imperativo que deve obrigar-nos a respeitar (Deuteronômio 5:16), a mostrar amor (Gênesis 25:28; 32:4), a permanecer fiéis (Êxodo 20:14), e fazer as tarefas (Gênesis 18:7). De fato, amor e dever dependem um do outro. O amor torna o dever possível e fácil e o dever torna o amor forte e duradouro. 

Uma lição de memória. Tanto o sábado quanto a família transmitem o mesmo apelo à memória. Ambos convidam uma apreciação e um respeito pelo passado. O sábado lembra as raízes do universo e a família lembra nossas raízes pessoais e históricas. Por meio do sábado, lembramos que somos humanos criados à imagem de Deus. Através da família, lembramos nossa genealogia, a história de nossos ancestrais e, finalmente, quem somos na sociedade humana. Assim como o sábado funciona como um dispositivo pedagógico que repete semana após semana a lição do passado distante, a família funciona como uma comunidade religiosa que preserva as tradições do passado e as transmite por meio de instrução e adoração (Deuteronômio 6:7; Miquéias 7:6 ).

Uma lição de esperança. Também é interessante que tanto o sábado quanto a família sejam igualmente o recipiente da bênção, sugerindo, assim, para ambos um horizonte de fecundidade e esperança. Pois a bênção está sempre na Bíblia associada à promessa e à perspectiva de um futuro rico, saúde, vida longa e muitos e duradouros descendentes (Gênesis 22:17-18). O sábado torna-se na terra um sinal de esperança; e sua qualidade de tempo aponta para a eternidade, para o outro sábado do reino futuro. Da mesma forma, a família torna-se na terra o lugar de refúgio e um lugar que alimenta a saudade do paraíso perdido, sinal do céu.

O ideal bíblico de família nunca foi tão necessário. Pois perdemos todos os valores e todas as verdades que a família deveria ensinar e preservar. Perdemos o sentido de Deus Pai e assim perdemos o sentido de fraternidade. Perdemos o sentido da imagem de Deus no ser humano e, assim, perdemos o sentido de admiração e respeito para com nosso cônjuge, nossos pais, nossos filhos e nossos vizinhos. Perdemos a noção do tempo e da memória. Não é de admirar que a família tenha degenerado em uma arena onde as lutas por nosso prazer, nosso poder e nossa felicidade humana tenham se tornado a prioridade! Perdemos o sonho de Deus para a humanidade e, portanto, perdemos nossa casa. Pois, como os antigos rabinos costumavam dizer: “Um lar onde a Torá não é ouvida não durará” ( Intr. Tikkune Zohar , 6a).

 

Imagem: Pais com estátua infantil, rua Hrobákova, Petržalka, Bratislava. Domínio público

Fonte: Shalom Learning Center


Postagem Anterior Próxima Postagem